novembro 03, 2004

2004: A MELHOR DE TODAS AS SAFRAS
Os vinhos finos brasileiros ainda têm um bom caminho pela frente até atingirem o nível dos europeus, australianos ou chilenos. Mas, nas duas últimas décadas, os produtores da Serra Gaúcha e do vale do rio São Francisco reduziram parte dessa distância com investimentos em tecnologia e um trabalho sério no tratamento das parreiras.
E, melhor de tudo, a natureza está fazendo a sua parte. O Brasil teve até hoje três safras excepcionais, em 1999, 2002 e 1991, esta última considerada a melhor da história.
A boa nova é que a safra de 2004 no Sul do País, que acaba de ser colhida, deverá render os melhores vinhos brasileiros de todos os tempos, superiores até mesmo aos da badalada colheita de 1991. Alguns brancos, espumantes e tintos leves deste ano já chegaram ao mercado. Mas quem aprecia os tintos mais encorpados deverá esperar pelo menos até o final do ano.
Um bom vinho é o resultado da soma de frutos devidamente amadurecidos, tecnologia de ponta, equipamentos adequados e interferência inteligente do produtor. No primeiro e mais importante quesito, a qualidade do fruto, o clima ajudou. A uva precisa de chuva logo após o nascimento e muito sol na colheita, feita de janeiro a 15 de março.
Em janeiro e fevereiro de 2004, o sol brilhou 521 horas na Serra Gaúcha, 91 horas a mais do que a média histórica. No mesmo período, choveu apenas 11 dias, a uma média diária de 231 mm , ou litros por metro quadrado de terra. Na safra de 2003, por exemplo, foram 28 dias a uma média de 472 mm diários. Tudo isso ajuda o fruto a concentrar mais açúcar, que se transforma em álcool natural na fermentação. Vinhos com alto teor alcoólico são mais aptos a ganhar corpo, reunir aromas complexos e envelhecer melhor.
O Brasil tem cacife para competir no mercado de espumantes com nariz empinado. A briga continua pesada – 70% dos vinhos e 30% dos espumantes abertos no País são estrangeiros. Mas, como se vê, vale a pena procurar melhorar para competir. (Revista Isto É - julho/04)
DESCOBRIR O ESPUMANTE
O enólogo chileno Mario Geisse, que em 1975 veio dirigir a filial brasileira da Moët & Chandon, hoje produz vinhos na Cave de Amadeu, em Bento Gonçalves (RS). Seu espumante brut, o Cave de Amadeu, é considerado o melhor do País. Geisse concedeu entrevista a uma revista brasileira, em outubro passado, quando falou sobre os espumantes brasileiros. São palavras de um enólogo já consagrado em seu país pela qualidade de seus vinhos.

“O Brasil deveria lutar para se firmar como o país do espumante. Porque essa é a vocação natural para o clima e o solo encontrados no País, aquilo que chamamos de terroir, sobretudo na serra gaúcha. No Brasil, as uvas pinot noir e chardonnay, utilizadas nos espumantes, amadurecem com alto grau de acidez, pouco açúcar e ótimos aromas, características ideais para a bebida. Na Argentina, por exemplo, essas uvas são colhidas antes da maturidade total, senão a fruta perde acidez e concentra açúcar. Mesmo o Chile, competitivo nos tintos, ainda não encontrou terras boas para espumante. No Brasil, podemos nos dar o luxo de colher no ponto certo e com as características preservadas.“
“São tão baratos que muitos brasileiros olham o produto com preconceito e pagam bem mais caro por champanhe francês de qualidade semelhante ou inferior. O Cave de Amadeu Brut, por exemplo, sai por R$ 40, no máximo. Exportado para a Europa, é o único vinho brasileiro vendido na loja El Mundo del Vino, em Santiago, no Chile, do master sommelier Héctor Vergara, considerada a segunda do mundo, atrás de uma parisiense. Para comprar um francês com a mesma qualidade, seria necessário pelo menos o triplo. Outras empresas brasileiras oferecem bons produtos entre R$ 25 e R$ 40. Excluindo o topo da faixa dos franceses, o Brasil é realmente competitivo no restante do mercado.”
“Espantosamente, o brasileiro bebe muito pouco espumante, apenas 25 mililitros por pessoa ao ano. Meu Deus, com todo esse potencial de produção... Os brasileiros precisam descobrir que espumante e champanhe são os mais versáteis dos vinhos. Acompanham bem muito mais coisas do que se imagina. São ótimos com peixes, comida japonesa, geléia, carnes brancas, embutidos leves, defumados e até com churrasco, porque lava a boca, produz contraste pela acidez e não pesa.”

novembro 01, 2004

ESPUMANTES, A VOCAÇÃO BRASILEIRA
Os termômetros acusam temperaturas cada dia mais elevadas, num claro sinal de que o verão se aproxima. Quem aprecia vinhos, também, pode fazer algumas mudanças e adaptar-se à estação, sem afastar-se da bebida. Para aqueles que estão indecisos sobre qual rumo tomar, recomendamos a leitura do texto abaixo, parte principal de artigo escrito pelo colunista e crítico de vinhos Marcelo Copello e publicado na Gazeta Mercantil de 18/12/03. Quase um ano depois, continua atualizado e fornece bons esclarecimentos, enfocando bem a realidade da indústria vitivinícola brasileira.

“Afinal, os produtores nacionais elaboram uma bebida perfeita para combinar com o clima e a paisagem brasileiros. Um líquido que, ao mesmo tempo em que refresca e desce fácil, tem caráter sem perder a alegria. Com belo visual, o espumante é o vinho mais versátil à mesa, acompanhando vários tipos de pratos, mesmo aqueles da substanciosa culinária brasileira, preparados com ingredientes de difícil harmonização.
Grande vedete da produção vinícola nacional, o espumante brasileiro atinge média de qualidade bem superior à de qualquer outro país da América Latina. Também é bom frisar a superioridade em relação à média dos Proseccos italianos que inundam o mercado. Esses espumantes do norte da Itália são uma moda que parece sucessora das garrafas azuis germânicas que aportaram no País na década de 1980.
Mas, o que torna o espumante produzido na Serra Gaúcha realmente tão bom, melhor do que tintos e brancos nacionais? Qual a explicação para o fenômeno?
Assim como em outras regiões do planeta, nas quais o clima dificulta o amadurecimento das uvas devido à carência de sol e luminosidade, essas áreas são propícias à produção de espumantes secos. O que é uma dificuldade para os brancos e tintos de mesa - uvas não totalmente maduras, acidez do solo, resultando em vinhos de pouco corpo, baixo teor alcoólico e acidez elevada - transforma-se em qualidade para os espumantes.
A falta de estrutura e de teor alcoólico dos vinhos feitos no sul do Brasil em regiões onde o clima dificulta o perfeito amadurecimento das uvas são plenamente compensados pela segunda fermentação à qual são submetidos. Geralmente, espumantes provenientes de regiões muito quentes são desinteressantes, pastosos e com falta de frescor. Os originários de regiões de clima mais ameno são beneficiados com uma maior acidez, sendo nervosos e vivos. É este o motivo pelo qual os espumantes nacionais são, em geral, superiores aos chilenos e argentinos. Estas condições ideais, aliadas à moderna tecnologia, são encontradas na Serra Gaúcha, de onde provém a quase totalidade do vinho fino brasileiro. É lá que está o circuito de cidades vitivinícolas Garibaldi, Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha e Caxias do Sul.
Hoje, quase todas as boas vinícolas brasileiras produzem pelo menos um espumante. Vários desses rótulos possuem qualidade, uma consistência provada através dos anos. Assim, pode-se afirmar com segurança: os espumantes representam a grande vocação brasileira em vinhos.”