julho 01, 2003

AINDA ESTAMOS NO "VINHO ZERO"
Manuel Beato, sommelier do Restaurante Fasano, deu uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo, publicada na Folha Online em 13 de março passado, abordando a questão do vinho nacional. Pela clareza e evidência de suas argumentações, com as quais concordamos plenamente, reproduzimos abaixo o texto, fazendo coro com Beato e perguntando ainda: Mas quando?
"O vinho brasileiro é bom? Há bons vinhos. Mas em relação a quê? E, afinal, o que é um bom vinho? Se para Pound "grande literatura é a linguagem carregada de significado até o máximo grau possível", o grande vinho será uma obra-prima de concisão, intensidade, complexidade e só pode ser criado em condições privilegiadas.
É preciso reconhecer então as limitações da nossa geografia e da nossa mentalidade produtiva. As dificuldades situam-se, sobretudo, na área da viticultura (cultura das vinhas), que é justamente, segundo a maioria dos melhores produtores do mundo, a peça principal para o grande final.
Há carência de agrônomos atualizados, bem como de agricultores mais conscienciosos. Tem se privilegiado, em vez da qualidade, a quantidade herdeira e responsável por uma produção tradicionalmente rústica, de vinhos comuns. Por que nossa produção não começa pelo começo, apostando num estágio básico de qualidade, num vinho correto, agradável e, na medida do possível, estável? Para isso faz-se necessário dar uma cara para essa boa, ainda virtual, poesia líquida. Se é impossível criar um vinho soberbo, podemos, porém, melhorar sobremaneira o que já existe de bom.
A maior parte de nosso vinho ainda decepciona. Falta à nossa vitivinicultura seu sotaque peculiar. Como um time entrosado. Variado, mais coeso.
Além disso, para a formação imprescindível de um público, é preciso haver uma política de preço justa e coerente. É inaceitável pagar mais de R$ 30 por um vinho conterrâneo, diante de bons chilenos, portugueses, argentinos e espanhóis que tantas vezes custam bem menos que isso. Ao pensar num presente, por exemplo, por que não estender a categoria de custo-benefício (preço-prazer) do eterno CD e gravata a um possível mundo novo do vinho nacional?
Passo a passo, porém, só agora a nossa identidade começa realmente a ser discutida. Com a melhor tecnologia, enólogos competentes e produtores sérios desenvolvemo-nos nas últimas décadas e, sobretudo, na última; contudo, o mosto só começa mesmo a borbulhar neste novo milênio. Se até então se apostava na serra gaúcha como nossa melhor região, agora a bola da vez é a Campanha, região do Rio Grande do Sul próxima à fronteira com o Uruguai, onde chove pouco, os terrenos são menos acidentados e o sistema de plantio mais adequado. Alguns produtores acreditam que de lá surgirá o nosso melhor vinho. Entre os que desde já merecem nossos aplausos por seus esforços e tentativas estão os seguintes produtores: Don Laurindo, Miolo, Valduga, Pizzato, Dal Pizzol, Chandon, Salton, Lovara, Marson e Baron de Lantier. Como me disse um deles, a ponto de inspirar-me o nome desse texto, "estamos começando do zero". Talvez o país também. Felipão valorizava o zero a zero, Pixinguinha, idem. Agora é com vocês abrir o placar, deitar e rolar. Ao leitor entusiasmado e principiante (como nosso vinho), há dicas sobre como apreciar um bom vinho. Mas isso fica para uma próxima vez
".

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