julho 27, 2005

O VINHO DE INVERNO
O frio chegou definitivamente. É uma boa hora para desfrutar dos vinhos tintos encorpados, com bastante extrato e bom volume de álcool. Tendo isso em mente, fiquei me indagando se haveria vinhos de inverno. Depois fui ainda mais longe e me perguntei: será que há um vinho que seja ‘O’ vinho para o inverno, assim como os Champagnes e espumantes são os protagonistas nas comemorações? Pensando nas atividades típicas desta época do ano, e em como nos comportamos cheguei a uma conclusão: se tivesse que escolher apenas um vinho para me acompanhar no frio, ele seria o vinho do Porto.

Esta antiga bebida está visceralmente ligada com a história e costumes de Portugal. Tem forte importância também no panorama viticultural mundial, pois foi a primeira região vinícola demarcada do mundo. Em 1756 o Marques de Pombal delimitou a zona de vinhedos, ao longo do rio Douro, que produziria o mais célebre produto do país. De lá para cá houve algumas mudanças na zona, mas basicamente ela é a mesma.

As principais uvas utilizadas na sua produção são as autóctones (isto é, nativas da região: touriga nacional, touriga francesa, tinta barroca, tinta cão, tinta roriz, castelão francês (antes conhecida como periquita), entre outras usadas em menor porcentagem. Para o Porto branco utilizam-se principalmente: arinto, bual, sercial, malvasia. Elas conseguem chegar a uma maturidade perfeita devido ao calor intenso na região durante o verão, época da vindima. Seu método de produção é diferente de outros vinhos e é, juntamente com as diferentes uvas utilizadas, responsável pela particularidade de seu caráter.

Como em todos os vinhos, o álcool provém da fermentação das uvas, pela ação das leveduras. No caso do Porto, porém, quando o vinho chega a mais ou menos 8 graus de álcool — e ainda tem açúcares por serem fermentados — , adiciona-se álcool vínico. Isto faz com que as leveduras parem de trabalhar, o grau alcoólico da bebida fique mais elevado, mas ainda sobre açúcar residual. Por isso o Porto é doce, mas bastante alcoólico. No caso dos brancos secos, simplesmente se vinifica até todo o açúcar se transformar em álcool. Depois, cada tipo tem diferentes passagens por barris de carvalho. Este processo ocorre na famosa cidade de Vila Nova de Gaia, onde estão os célebres lagares de onde o vinho sai pronto.

E o que tudo isto tem a ver com o inverno? É que, apesar de acharmos que o vinho do Porto é um tinto docinho gostoso, que só deve ser consumido junto com a sobremesa ou no final das refeições, ele é muito mais versátil do que isso, pode ser servido a qualquer momento e, devido ao alto teor alcoólico, é um companheiro ideal para esta época do ano. Existe em variadas formas, desde os brancos secos até os tintos mais encorpados, cheios de borras, de álcool com muito corpo e acidez.

O Porto branco, tanto o doce como o seco, por não terem de ser consumidos estupidamente gelados, são muito simpáticos como vinhos de aperitivo no frio. O seco é melhor para abrir o apetite, nos faz salivar diante dos queijinhos e aperitivos. Para os que não têm medo de harmonizações atrevidas, acompanha até a clássica fondue, deliciosa no inverno. O doce não abre tanto o apetite, devido ao açúcar, mas se a intenção é ficar só nos queijos e bate-papo, podemos tomá-lo a noite toda.

Para os que preferem os tintos, há vários tipos. Os chamados Ruby têm fruta muito intensa, saem normalmente jovens ao mercado. Têm sabor intenso e bastante tanino. Acompanham bem as sobremesas com chocolate amargo ou as frutas vermelhas flambadas no próprio Porto. Dá para ficar horas, depois do jantar, com a tacinha, conversando e se esquentando. Ficam bons com charuto também, para aqueles que gostam de uma baforada aromática.

Os Tawny ficam mais tempo na madeira, por isso perdem aquela cor intensa e ficam mais claros (o nome Tawny significa "aloirado"). O sabor de frutas é menos intenso, a acidez é marcada, formam-se outros sabores, mais ligados aos da madeira. Podem ter de 10 a 40 anos. Esse número na verdade é a média de idade de todos os vinhos misturados, já que o Tawny é uma grande mistura de várias safras. Para quem gosta de experiências curiosas, pode acompanhar até uma carne que tenha molho de figos, cerejas ou ameixas. Uma vez, devo confessar, tomei um Tawny com brandade de bacalhau e ficou ótimo. Mas aí já é uma questão de gosto bem pessoal. Pode também ser companheiro de queijos fortes como o gorgonzola ou roquefort, que podem ser servidos como protagonistas ou ao final do jantar.

Os chamados Late Bottled Vintage (LBV) são procedentes dos mesmos vinhedos que os Vintage (produzidos apenas em safras excepcionais). Têm menos volume e intensidade que os Vintage, mas mesmo assim são grandes vinhos, muitas vezes com preços muito mais acessíveis. Também têm força, álcool e muito sabor de fruta. São achocolatados, com toques de ameixas pretas. Assim como os Ruby, ficam bem com as sobremesas fortes. Mas, para ser sincera, acho que, igual ao Vintage, a melhor forma de apreciá-los é sozinhos. Os Vintage, como disse, são produzidos apenas em safras declaradas excepcionais, que se dão poucas vezes dentro de um século. Normalmente é engarrafado depois de três anos da colheita. São vinhos excepcionais, de muita complexidade aromática, com frutas intensas, frutos secos, tabaco, tostados. A boca costuma ser cheia, os taninos muito presentes, é bastante doce, mas com ótima acidez. Têm estrutura firme — dizemos que podem praticamente ser mastigados. Estes dois últimos são vinhos protagonistas, chamados "de meditação". São ótimos para acompanhar uma conversa entre amigos numa noite fria, depois do jantar e, por que não, na frente da lareira. Ficam incríveis sob as cobertas com um bom livro, ou um ótimo filme, acompanhado ou não, essas coisas clássicas para se fazer neste frio intenso.

Lembrando apenas que apesar do Porto parecer um vinho forte e alcoólico, depois de aberto ele deve ser consumido em poucos dias. As taças podem ser as pequenas, típicas de Porto (parecidas com as de licor), ou também as maiorzinhas, do tipo de degustação, que nos permitem sentir bem toda sua complexidade.

Assim, queridos leitores, na dúvida sobre o que tomar no inverno, leve um Porto. Um destes tipos com certeza fará sucesso em diferentes momentos, seja num jantar, depois dele, sem ele, jogando cartas ou vendo um bom filme. Bom friozinho a todos!
Alexandra Corvo, sommelier - Portal Veja São Paulo.

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